sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Bogotá, Cúcuta, Caracas, Boa Vista

Conforme previsto, a liberação das motos em Bogotá foi rápida, graças ao auxílio do pessoal da Air Cargo Pack, e ao final da tarde da sexta-feira, dia 1º de outubro já estávamos liberados para seguir viagem.
De Bogotá seguimos direto para Bucaramanga, onde chegamos já noite, devido a um bloqueio na rodovia para realização de prova ciclística.
A rodovia que liga Bucaramanga a Cúcuta é uma das mais sinuosas que já vi. Simplesmente não existem retas. Ora subindo, ora descendo, mas sempre fazendo muitas curvas. Aliás, assim é a maioria das rodovias na Colômbia. Curvas muito fechadas, intenso trânsito de grandes caminhões que ocupam as duas pistas para contorná-las. E as condições do pavimento nem sempre são as melhores. E nesta época de chuvas, muitos “derrumbes” obrigam o fechamento de uma das pistas, congestionando o trânsito.
O curioso, é que nessa rodovia é cobrado pedágio. Motos não pagam. Oba! Mas em nenhum momento vimos vestígios de algum trabalho de manutenção, de fechamento dos buracos (que são muitos), de limpeza de pista, de remoção de material desmoronado. Parece um lugar esquecido por Deus.
E ciclistas, muitos ciclistas, em grandes grupos, subindo ou descendo, sempre com os carros de apoio a lhes seguir, dificultam ainda mais a passagem.
Mas tem trechos espetaculares, como o altiplano de Berlin. Às margens da rodovia, extensas plantações de cebolas, muito bem cuidadas, quebram aquela imagem de densa floresta e profundos abismos que só se via até então.
Uma breve parada num quiosque à beira da estrada nos revela que o sofrido povo colombiano é muito hospitaleiro, e de fina educação. Banheiros simples e limpos é o cartão de visitas. Então pudemos saborear uma deliciosa empanada de arroz com carne (e molho picante), acompanhada de café com leite quentinho, enquanto conversávamos com eles, contando nossa aventura até as longínquas e geladas terras do Alasca.
Em seguida cruzamos por Pamplona, já no pé da serra. Pelas informações, sabíamos que doravante a estrada melhoraria, o pavimento é melhor, menos curvas. Já conseguíamos andar a oitenta, ou até noventa por hora. Os motores das motos agradecem o vento que agora recebem para poderem se refrescar.
Finalmente chegamos a Cúcuta, na fronteira com a Venezuela. Fomos direto para a aduana. O trâmite de saída é rápido. Enquanto aguardávamos as verificações de praxe, notamos grande quantidade de “pimpitas” (bombonas de vinte litros), bem ao lado da aduana. Curioso, perguntei ao policial o que era aquilo. Gasolina, explicou ele. Ali na Venezuela, o combustível é muito barato, então o pessoal trás de lá para vender do lado de cá.
- Mas isto é legal? Insisti curioso.
- É proibido – diz ele – mas nada fazemos, porque já faz parte da cultura do povo.
- Ah! Entendi – respondi, sem ter entendido nada.
Então, se o combustível na Venezuela é barato, vamos abastecer nossas motos por lá. E tocamos em frente, cruzando a Puente Internacional Simon Bolivar.
A imigração na Venezuela foi muito fácil. Agora só falta fazer a documentação de entrada das motos. Problema. A aduana não trabalha aos domingos. Só amanhã, pela manhã.
E assim estamos agora hospedados em San Antonio, porta de entrada da Venezuela, aguardando a abertura do guichê da aduana para podermos circular livremente por este país.
Às oito em ponto estávamos no prédio da aduana venezuelana para fazermos a documentação de entrada das motos no país. Não havia filas. Tudo parecia perfeito para, em poucos minutos, seguirmos viagem. Ledo engano. Foi-nos apresentada uma extensa lista de exigências, fotocópias disto e daquilo, e um seguro de responsabilidade civil. Não aceitaram o nosso DPVAT e tampouco o nosso seguro total. Estes não têm validade na Venezuela.
E lá fomos nós ao centro da cidade em busca de alguém que fizesse o tal seguro para nós. Depois de muita procura, encontramos um corretor que faz seguros para motos estrangeiras. O Gregório. Rapaz simpático, motociclista praticante, piloto de uma esportiva GSX 1000. Enquanto sua secretária providenciava as apólices, conversamos muito sobre motos, carreteras e atualidades. Em pouco menos de três horas (sim, esse foi o tempo para fazer o seguro) ficamos sabendo algumas coisas sobre este país:
Que desde 2008 não se pode importar veículos. O governo não autoriza.
Que existe câmbio oficial e paralelo (já tivemos isso no Brasil) para o dólar: B. 4,30 e B. 7,50, respectivamente. Por isso, não deveríamos pagar em dólar, e muito menos em cartão de crédito, pois em ambos os casos, seria usado o dólar oficial. Aconselhou-nos a procurar um cambista.
Que o preço da gasolina é simbólico. Que para cruzarmos toda a Venezuela pelo roteiro que apresentamos, em torno de dois mil quilômetros, gastaríamos em torno de dois dólares (no paralelo) em combustível. Confirmamos isso. Um litro de gasolina custa na bomba, BS. 0,07 (sete centavos de Bolívares). Isto significa que, com apenas um dólar, se compra 107 (cento e sete) litros de gasolina.
Bilhetes de seguro e fotocópias nas mãos corremos de volta para a aduana. Documentação conferida e... opps, faltam as estampilhas. Dezessete Bolívares em estampilhas para cada moto, está aqui, cavalheiros, na relação de documentos que lhes entreguei. Oh! Deus, daí-me paciência para prosseguir. Agora falta pouco. Em breve estaremos em nosso país.
Estampilhas providenciadas, documentação conferida, tudo certo para emitir a AUTORIZACION VEHICULAR – permissão para introduzir nossas motos no território venezuelano. Porém, o funcionário (chefe) que assina tal documento saiu, está em horário de almoço. Retornará às treze e trinta.
Isto já é demais. Estão a abusar de nossa paciência. Não se trata assim os fazedores de chuva. Tomamos uma atitude radical: convidamos a funcionária a ir almoçar conosco. E ela aceitou! E assim tivemos a rara oportunidade de conversar e conhecer melhor uma funcionária da aduana venezuelana. Brenda (esse é o nome dela) nos contou de sua carreira, de sua família, de seu trabalho, que no próximo ano visitará o Brasil.
Na hora marcada, nossa permissão foi assinada. Agora podíamos ir, antes porém, passar no Departamento de Trânsito para visar a autorização.
E assim conseguimos passar por aquela que foi, sem dúvida, a mais complicada e demorada das aduanas enfrentadas em nosso roteiro.
Vencido o primeiro obstáculo, vamos para o seguinte: a auto pista que liga San Antonio a San Cristobal estava interditada por conta de um derrumbe. Então todo o fluxo foi desviado para a antiga, sinuosa e mal conservada carretera. Congestionamentos intermináveis causados por desvios, veículos avariados parados na pista, por ônibus que param na pista para subida ou descida de passageiros, ou por motoristas despreocupados, que simplesmente param seu veículo sobre a pista para comprar comida, vendida por ambulantes estrategicamente parados em lombadas.
Os veículos que circulam por aqui, em sua maioria, são automóveis antigos, grandes, beberrões, e mal conservados.
Outro fato curioso que nos chamou atenção foi que muitos postos de combustível estavam fechados. E noutros, grandes filas controladas por militares do Exército. Foi-nos informado que o governo federal restringiu a remessa de combustível ao Estado de Táchira, porque os dirigentes estaduais não estavam alinhados ao poder central. Coisas do socialismo.
Pretendíamos pernoitar em Barinas, mas por conta de tantos imprevistos, conseguimos chegar a Santa Bárbara antes do anoitecer, onde nos “quedamos”.
Dormimos em um simpático hotel à beira da estrada, com espaçosas e confortáveis cabanas – Complejo Turistico Las Palmeiras. Muitas cabanas ainda inacabadas. O proprietário nos informou que parou a obra, porque o governo socialista ameaçou desapropriar a metade. E por muito tempo desabafou, que os empreendedores não dispõem de nenhum incentivo. Citou exemplo dos criadores de gado: que o governo lhes paga em torno de quatro bolívares por quilo, enquanto importa carne do Brasil e Argentina pagando dezesseis bolívares.
A propósito, quando entramos no estado de Portuguesa, uma enorme placa avisava: “Estado Portuguesa, um estado ganadero”. Rodamos dezenas de quilômetros, atravessamos o estado de ponta a ponta, e não vimos uma cabeça de gado sequer. O que vimos, foram várias fazendas abandonadas.
Hoje a maratona de congestionamentos continuou. O trânsito é um verdadeiro caos, mesmo nas chamadas autopistas. Muitas barreiras policiais, ora feitas pelo exército, ora pela guarda nacional, congestionam o trânsito, já que os veículos são obrigados a diminuir a marcha.  Não nos incomodaram. Houve um caso em que pediram para acelerar, para ouvirem o ronco das motos.
E muitas lombadas. Quando a rodovia atravessa pequenos povoados, existem lombadas a cada cem metros. E em cada uma delas, no centro da pista, um vendedor estrategicamente instalado.  De cadeira e guarda sol. Vendendo de tudo. Cafezinho, água, salgadinhos, palomitas (pipoca), chips de plátano, e por aí vai.
Ao final da tarde, chegamos a Caracas. Cidade movimentadíssima, trânsito intenso, mas fácil para motos transitar, já que os veículos deixam o corredor aberto.
A saída de Caracas foi muito tranqüila, isto porque pernoitamos em um hotel estrategicamente situado na saída para o ocidente, conforme o nosso roteiro. Eram sete horas da manhã e o movimento era intenso, mas no sentido arredores-centro, formando extensos congestionamentos. Para nós que saíamos da cidade, pista livre. Beleza.
De Caracas fomos a Barcelona, no Estado de Anzoátegui, margeando o Mar do Caribe (águas de um azul turquesa maravilhoso) e depois tomamos rumo sul até Ciudad Bolivar, no Estado de Bolivar, aonde chegamos depois de cruzar por magnífica ponte – Puente Angostura - sobre o rio Orinoco. Vista de longe, ela aparenta tanta leveza que seria incapaz de suportar o intenso tráfego que por lá transita.
Em todas as rodovias por onde passamos, existem as “casetas de cobro” do pedágio. Mas veículos leves, e motos, estão isentos. Somente os caminhões pagam. Aliás, sobre isto, ontem vimos o Presidente falar na TV. Disse ele que os caminhões devem pagar o pedágio, pois com seu peso destroem as rodovias, e o valor arrecadado, é para a manutenção. Que muitos caminhões insistem em passar sem pagar, mas que ele iria colocar o Exército e a Guarda Nacional para controlar isso. E foi o que vimos hoje. Nas praças de pedágio, muitos militares cuidando para que os caminhões pagassem o pedágio.
Com efeito, as estradas não estão em boas condições. Muito lixo acumulado nas margens, e muitos buracos na pista.
Mas a quantidade de outdoors com propaganda do governo, às margens da rodovia, é grande.
Já próximo a Barcelona, passamos por uma das obras que é a menina dos olhos do País: a refinaria de petróleo “Complejo Petroquimico José Antonio Anzoátegui”.
Temos visto por aqui, muitas escolas. Boas instalações, quadra de esportes, e alunos bem uniformizados.
Porém, tivemos muita dificuldade em conseguir um mapa rodoviário. Não encontramos nenhum ponto de atendimento ao turista.
A auto pista que liga Ciudad Bolivar a Puerto Ordaz é uma das melhores que passamos na Venezuela. Construída às margens do rio Orinoco, corta por uma região de belas paisagens, revelando extensas planícies e muito verde. Sem congestionamentos, sem lombadas, sem buracos.
Em Ciudad Guayana, mais uma surpresa: cidade moderna, largas avenidas, modernos edifícios, Shoping Center, trânsito disciplinado.
Em Guasipati, pequena cidade em nossa rota, duas constatações ao abastecer numa gasolinera:
- Extensas filas de carros nas bombas. Menos numa. Pessoal do exército controlando os abastecimentos. Faço sinal para ir naquela bomba vazia. O militar me responde positivo e me explica: nesta a gasolina é mais cara. Noventa e cinco octanas. Custa nove centavos de Bolívar. Eles preferem a outra, noventa e uma octanas, que é mais barata, custa sete centavos de Bolívar. Incrível! (Só para lembrar, um real é igual a quatro bolívares).
- Durante o abastecimento, converso com o frentista, e pergunto por que o exército está ali, controlando os abastecimentos. Para impedir que os mineiros comprem gasolina nesse preço subsidiado e o contrabandeiem para fora do país. Com efeito, estávamos entrando numa região rica em minerais preciosos, principalmente ouro.
No início da tarde, entrávamos num território conhecido como Gran Sabana. Imenso, de beleza indescritível. Extensas pradarias de verdes campos e capões de mato que lembram a savana africana.
Ao final da tarde, quase chegando em Santa Elena de Guairen, uma placa às margens da rodovia indicava que estávamos a apenas setenta e quatro quilômetros do Brasil. Enquanto fazíamos uma foto para guardar o momento, me veio à lembrança que já estou há cento e trinta e dois dias fora do meu país. Quanto tempo, e parece que foi ontem que saímos por Dionisio Cerqueira em direção ao Alasca. Como passou rápido!
Nosso próximo compromisso era um dos mais esperados: conhecer o famoso Salto Angel, a maior queda d´água livre do mundo.
No aeroporto de Santa Helena do Uairen conseguimos um piloto disposto a nos levar até lá, olhar o salto e voltar. Isso não é normal. O usual é os turistas usarem dois ou três dias para fazer esse passeio. Não dispomos de tanto tempo assim. Temos pressa em voltar para casa, que começa logo ali. Posso até sentir o cheiro do meu Brasil.
José do Nascimento, um simpático venezoelano com quatro anos vividos no Brasil, concordou em nos levar no seu Cessna 182, quatro lugares incluindo o piloto, por oitocentos dólares. Em cinco minutos já estávamos voando.
Como é bela a Gran Sabana vista de cima. Um imenso tapete verde se estendia sob nossos pés, desfilando a duzentos e sessenta quilômetros por hora. Lá embaixo, rios serpenteavam em todas as direções. Nas suas margens, choças habitadas por índios. Aqui e ali, focos de fumaça. José nos explica que os índios, desobedecendo as normas do Parque Canaima, ateiam fogo no campo.
De repente, a imensa planície dá lugar a altas montanhas, separadas por vales profundos. Densas nuvens escondem parte delas. Estamos na torcida para que não atrapalhem nossa visão. Para que não escondam aquela rara beleza que aqui nos trouxe.
Lá está, aponta José. Bem à nossa frente, despencando de quase mil metros de altura, o famoso Salto Angel. Devido a falta de chuvas, o volume de águas é reduzido, mas não tira a beleza nem a imponência do salto.
José fez vários sobrevôos em diversas direções, para que pudéssemos apreciar a beleza do salto de vários ângulos. Fantástico!
Liberados para voltar ao Brasil. A fronteira estava logo ali. A saída de Venezuela foi tranquila. Nada de burocracia. Muito menos na imigração brasileira. Fomos muito bem atendidos pelo Agente de Polícia Federal Miguel. Baiano simpático, de gestos calmos, olhar tranqüilo, nos deu as boas vindas.
E depois de cento e trinta e três dias, novamente pisávamos solo pátrio. Como é bom respirar o teu ar, minha pátria querida. Prá comemorar, um almoço básico, na churrascaria do Negão: espeto corrido!
Ao final da tarde, chegamos a Boa Vista, capital do Estado de Roraima. Cidade moderna, planejada, largas avenidas, gente hospitaleira. E por aqui, reencontrei alguns parentes, o casal Carlos e Eliana, e com eles fomos jantar. Levaram-nos a saborear um delicioso peixe na telha, prato típico da terra. Mas quem alegrou verdadeiramente a nossa noite, foi a pequena Ana Luiza, filha do casal, com sua alegria e simpatia.
Era Sexta-feira, 8 de outubro, e estávamos no 133º dia de viagem.
Recebendo a moto, em Bogotá

Parque Nacional Del Chicamocha (Panacchi), Colombia

Bucaramanga, Colombia

Rodovia na Colombia, entre Bmanga e Cucuta

Parador, em Berlin, Colombia


Rodovia na Venezuela

Venezuela


Chegando a Caracas





Primeiro sinal do Brasil

Início da Gran Sabana

Vamos lá. O Brasil está logo ali!


Em Boa Vista, com a simpática Ana Luiza

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