domingo, 16 de outubro de 2011

Belém, Fortaleza, Salvador

Estamos de volta à nossa realidade. A estrada que liga Boa Vista a Manaus, a BR 174, tem o pior trecho que passamos durante toda a expedição. São trezentos e setenta quilômetros de poeira e buracos (não choveu, senão teríamos lama também). Lamentavelmente temos no Brasil as piores estradas, e o combustível mais caro que vimos.
Logo na saída de Boa Vista, a estrada é boa. Foi recuperado o trecho até Mucajaí. Depois, é um verdadeiro inferno. Os veículos parecem dançar um estranho bailado, de um lado para outro da rodovia, buscando fugir aos incontáveis buracos. Em muitos trechos o trânsito é feito pelo acostamento.
Depois de Vila Jundiá, a rodovia corta a reserva indígena Waimiri Atroari. São mais de setenta quilômetros de muitos buracos. Placas exibem estranhos avisos: “evite parar”, “não filme nem fotografe”, “respeite os índios”.
E mais: soubemos que nesse trecho, a rodovia é fechada à noite, “para não perturbar os índios”. Hummm!!! Em momento algum, vimos índios ou vestígio deles.
Em seguida a rodovia entra no Estado do Amazonas, e o pavimento parece melhorar. Ledo engano. Traiçoeiros buracos se escondem, prontos para engolir as rodas de algum veículo em alta velocidade, cujo motorista não esteja atento.
Ao final da tarde, conseguimos chegar a Manaus, sãos e salvos. Hospedamo-nos no Hotel Ibis. Agora temos que procurar o transporte para Belém, via rio Amazonas.
E foi durante o café da manhã no dia seguinte, que conhecemos o gerente do hotel, o Fernando, que assim como nós, é um apaixonado por motocicletas. E veio conversar conosco, saber da nossa viagem, se colocar à disposição para nos orientar sobre o transporte de barco até Belém.
Nossa grande preocupação era definirmos o transporte das motos para Belém, via fluvial, para então fixarmos o nosso roteiro de retorno, pelo Brasil, via costa nordestina. Chegamos em Manaus no sábado, e soubemos que o próximo navio sairá somente na quarta-feira.
Na segunda-feira pela manhã fomos apresentados a Lula, o taxista que faz ponto em frente ao hotel. Ele ficou encarregado de nos conduzir pela cidade de Manaus, e principalmente, nos levar ao porto para contratarmos um barco para nos levar a Belém. Foi tudo muito fácil. Dissemos a ele o que queríamos e ele nos levou direto ao capitão do barco Santarém.
No barco, fomos recebidos pelo capitão Cristiano, e com ele definimos os detalhes. As motos irão no convés, e nós em suítes (com ar condicionado e banheiro privativo).
O transporte de cada moto custará quinhentos reais, e cada suíte oitocentos reais, comidas e bebidas à parte.
Examinamos, quero dizer, percorremos o barco, e fechamos o negócio. Embarcaremos na próxima quarta-feira à tarde, com chegada em Belém prevista para domingo pela manhã. Agora é só expectativa por esse trecho da viagem, completamente diferente de tudo o que fizemos até então. A emoção de navegar por quatro dias pelo Rio Amazonas é visível em todos nós, mas principalmente na Terezinha, nossa geógrafa, que por muitos e muitos anos falou sobre o grande rio em suas aulas, e agora está prestes a ter contato direto e demorado com ele.
Anexo ao porto de Manaus está o Mercado Público, famoso por sua arquitetura e variedade de artigos comercializados. O mercado está em reforma, o que não prejudicou a visita. O peixe é a principal atração. São incontáveis as bancas oferecendo os mais variados tipos de peixes, desde sardinhas até gigantescos pirarucus, o bacalhau brasileiro, sem falar das frutas da floresta, ervas e raízes medicinais. Impossível deixar de provar um suco de cupuaçu, ou um sorvete de bacuri.
Para almoço, Lula nos levou a um restaurante simples, mas muito limpo, com cardápio exclusivo em peixes. Deixamos o pedido por conta dele. Foi-nos servido costelas de tambaqui fritas, arroz, farofa e salada. Delícia.
Ao final da tarde fomos visitar o Jian, um harleyro conhecidíssimo na cidade. Ele é o presidente do Hells Angels de Manaus. Levou-nos a conhecer a sede deles. Ficamos impressionados com o que vimos: uma sede muito bem organizada, com fotos de encontros e de membros do grupo no mundo todo, e estrutura para receber os amigos.
E para terminar nosso dia, Fernando, o gerente do Ibis, nos convida para jantar em seu apartamento. Sua esposa Marisa é uma cozinheira e tanto. Para o jantar ela preparou “Tambaqui al Horno”, digo, ao forno, e para acompanhar, spaguetti com atum e baião de dois. Exageramos. E para sobremesa, torta de coco com manjar de cupuaçu. Exageramos novamente.
Na véspera da viagem, fomos a um supermercado comprar algumas mercadorias necessárias, como água, biscoitos, chocolates, e principalmente brinquedos e material escolar, para doarmos às crianças ribeirinhas, que em alguns pontos mais estreitos do rio, se aproximam do navio em frágeis canoas para serem agraciadas.
Em um bairro bem próximo ao centro, em Manaus, está localizada a Harley-Davidson do Brasil (HDB). E para lá fomos. Na verdade, estávamos levando nossas motos para reverem a sua casa, a casa onde foram montadas.
Fomos recebidos pelo Celso Ganeko, gerente geral, e sua equipe. Todos foram muito atenciosos conosco, responderam a todas as perguntas, esclareceram todas as nossas dúvidas e nos brindaram com uma visita à linha de montagem.
Trata-se de empresa de propriedade da Harley-Davidson norteamericana, criada especialmente para atender o mercado brasileiro. Todas as motocicletas Harley-Davidson vendidas no Brasil, são montadas ali.
São centenas e centenas de partes e peças que vêm de fábricas norteamericanas para aqui serem montadas as famosas motocicletas.
Iniciamos nosso tour pela fábrica, pela montagem dos motores. Um a um, são meticulosamente montados. Funcionários altamente especializados recebem o bloco e a ele vão agregando peças, dando apertos na pressão correta, até obterem o produto final, os possantes motores que impulsionam nossas motocicletas.
Assim como os motores, são montadas as rodas, o tanque, o guidon, o sistema elétrico, enfim, tudo montado ali, até o produto final, que é testado em um aparelho chamado “rollertest”, uma espécie de dinamômetro, onde a motocicleta é submetida a uma velocidade de cem quilômetros/hora. Tudo é verificado: precisão do velocímetro, sistema elétrico, câmbio, freios, etc.
Vimos que a montadora aqui possui grande quantidade de peças e pneus à disposição das revendas, porém que não são demandadas.
Ao final, nos brindaram com camisetas comemorativas: da produção de dez mil unidades, e outra da celebração de dez anos de atividade, em 2009.
Encerrando nossa passagem por Manaus, à tarde embarcamos para Belém. O nível das águas do rio está muito baixo, dificultando o embarque. Para chegar até o navio, uma faixa de cem metros de areia fofa, até o cais flutuante. Veneno para as motos.
Depois, outra dificuldade maior ainda. O navio não é feito para levar veículos, daí uma dificuldade muito grande em colocar as motos no convés. Foi necessária a ajuda de meia dúzia de estivadores para colocá-las para dentro. A passagem de acesso é muito baixa, não permite a passagem da moto em pé, situação ainda agravada por uma escotilha enorme, de acesso ao porão. Acomodamo-las no convés, junto aos passageiros que viajam em redes.
Finalizando nosso dia, ficamos sem jantar. O navio atrasou a saída. Zarpou somente ao anoitecer. Ficamos todos envolvidos contemplando as luzes de Manaus e explorando o navio que, quando pensamos em jantar, este já tinha se encerrado. Ainda bem que trouxemos um “catanho”, que resolveu nosso problema.
Preocupados em não perder o horário do café da manhã, fomos ao refeitório o mais cedo possível e... tarde demais. Conseguimos apenas o final das panelas. Os ovos mexidos estavam frios, o café muito forte e extremamente doce. Mas tive sorte. Consegui a última fatia de melão e a última de queijo. O mamão papaia estava com gosto de azeite. Horrível! O café da manhã custa cinco reais. Pode-se servir à vontade, desde que tenha disponível.
O dia todo ficamos explorando o barco Santarém, apreciando a calma dos passageiros que viajam em redes. Passam o dia inteiro estendidos nas redes, ora dormindo, ora conversando com os vizinhos ao lado, totalmente despreocupados, esquecidos do mundo.
Não perdemos o horário do almoço. Na hora marcada, lá estávamos nós. O prato feito custa oito reais, e o bufê, para se servir à vontade, dez reais.
O cardápio estava bem variado: feijão, arroz, macarrão, salada e carne de panela. Para beber, água. A carne estava bem temperada e macia.
E mais. Soubemos que para o jantar haveria repetição do cardápio.
Mas fomos salvos pela iniciativa de alguns passageiros que conhecemos durante a viagem. Pelo telefone celular (não sei exatamente como funcionou aqui no meio do rio) encomendaram peixes a um pescador, que não demorou em abordar nosso barco e entregar belos exemplares de tambaquis.
E o cozinheiro do barco caprichou uma caldeirada de peixes digna de reis, e mais um peixe assado inteiro no forno. Ambos espetaculares. Exageramos.
A rotina no barco é comer, dormir, e contemplar as margens do grande rio, que lentamente vão desfilando aos nossos olhos. Vez por outra cruzam, uma chata carregada de carretas (sem os caminhões), pequenos barcos de pescadores, fazendas e casas dos ribeirinhos.
Pela manhã, atracamos no porto de Santarém. Passageiros desceram, outros subiram. E nós aproveitamos o tempo para conhecer a praia mais famosa da região, Alter do Chão, no rio Tapajós. Santarém está situada na confluência dos rios Amazonas e Tapajós. Tem até encontro das águas barrentas do Amazonas, com as azuis do Tapajós, que resistem em se misturar. E mais uma vez, a exemplo do que ocorre em Manaus na confluência com o Rio Negro, o grande Amazonas vence.
Fomos de taxi, via rodoviária, asfalto novinho. O lugar é maravilhoso, conhecido por aqui, como o “Caribe Brasileiro”. Praias de areias brancas e águas limpas, calmas e pouco profundas fazem do lugar a maior atração da cidade.
De volta à cidade, ainda tivemos tempo para almoçar no Piracema (o sabor que encanta), um dos melhores restaurantes de Santarém. No cardápio, pirarucu recheado com banana e queijo, e para beber, uma Cerpa ou um delicioso suco de cupuaçu. Quem resiste a tantas delícias?
Chegamos em Belém já era noite de domingo. Ficamos no Ibis, gentilmente reservado pelo Fernando.
De Belém fomos a Teresina e daí a Fortaleza, onde ficamos hospedados no apartamento dos irmãos Carlos e Alexandre Sain, que muito gentilmente nos acolheram e nos conduziram pela cidade.
De Fortaleza fomos a João Pessoa, na Paraíba, e dali a Aracaju, no Sergipe, passando pelo Recife, onde a rodovia BR 101 estava em péssimo estado, agravado por fortes chuvas.
Domingo, dia de descanso para nossas motos. Em uma van de empresa de turismo, fomos até a cidade de Canindé do São Francisco, conhecer os famosos cânions inundados pela barragem de Xingó. Distante cerca de duzentos e dez quilômetros de Aracaju, a pequena cidade está situada no noroeste do estado de Sergipe, bem próxima às divisas com os estados de Alagoas e Bahia.
A rodovia SE 206 (que nos leva até lá) está com o pavimento em bom estado. No trajeto, corta dezenas de pequenos municípios, que se sucedem num intervalo não superior a cinco quilômetros. Ou seja, a cada 5 Km, uma cidadezinha, de aproximadamente cinco mil habitantes, com toda a estrutura de um município, com prefeito, prefeitura, gabinete, câmara de vereadores, servidores públicos, e lombadas. Dezenas delas.
Bem próximo a Canindé, a Grota do Angico. Lugar famoso por ter sido lá, que Lampião e seu bando de cangaceiros, foram emboscados e mortos.
Em Canindé está a monumental represa de Xingó. E no lago por ela formado, nos espera o catamarã “Rei do Cangaço”. Muito confortável, com lugar para duzentos e cinquenta pessoas navegarem no imenso lago formado pela represa, de águas limpas, em bela cor verde, destacando as margens de rochas graníticas, ora aparentes, ora cobertas por vegetação de cerrado.
Na Gruta do Talhado, pausa para um refrescante mergulho nas águas calmas da represa. Hora de voltar, mas não sem antes passar pelo restaurante flutuante “Carrancas” e saborear um delicioso surubim ao molho de camarão.
Já era noite quando retornamos a Aracaju, mas podia-se observar no semblante de todos os passageiros da Van, um sorriso de contentamento por terem conhecido um dos mais belos recantos do Brasil.
A viagem de Aracaju a Salvador foi uma das mais prazerosa que tivemos. Isto porque estávamos muito bem acompanhados, por cinco motocilistas de Salvador, entre eles o Davidson, o Bruno, e o Aldo, que foram a Aracaju especialmente para nos acompanhar até a sua cidade.
É muita honra para nós. Agora eram sete motos na estrada. E viemos por uma estrada fantástica, muito bonita, pouco movimento, chamada Linha Verde. É paralela à BR 101, só que mais próxima à beira-mar. E quando se aproxima de Salvador, é conhecida como a Rodovia do Coco.
Em Salvador ficamos hospedados no Monte Pascoal Praia Hotel, na Avenida Oceânica, muito próximo ao Farol da Barra, tradicional ponto turístico e de encontro, da capital baiana. E foi lá que, iluminados por um belíssimo por do sol (aqui é possível ver o por do sol no mar), gravamos imagens e entrevista para programa de esporte da TV Bahia.
Encerrando nossa noite, a convite do Davidson, fomos jantar em sua casa. Para nossa surpresa, o cozinheiro era o próprio. Serviu-nos delicioso bacalhau, e pernil de ovelha temperado com ervas, receitas que ele nos assegurou serem sua criação e que foram aprovadas por todos. E para acompanhar, vinhos especialmente selecionados em sua adega. Sua esposa acompanhava tudo de perto, cuidando dos detalhes.
Nosso primeiro dia de folga em Salvador começou com um City-tour conduzido pelo Bruno, que nos levou a conhecer pontos tradicionais da capital baiana, como o Elevador Lacerda e o Mercado Modelo.
Próxima parada, Iate Clube, onde nos esperava o Davidson para nos levar a um passeio pelas águas da Baia de Todos os Santos. A bordo de sua lancha Guigo, pudemos observar a cidade de um ângulo diferente, e apreciar a beleza do casario antigo, contrastando com modernos edifícios que se erguem à beira-mar.
Nosso destino era a Ilha de Maré, tradicional ponto de parada dos navegantes para uma deliciosa refeição à base de frutos do mar. No caminho, a Base Naval de Aratu, também conhecida por abrigar uma praia particular, onde o Presidente da República costuma passar férias.
Encerrando o dia, fomos a uma reunião jantar do Club HD Bahia, no restaurante “A Nossa Casa”, tradicional ponto de encontro dos motocilistas da cidade. E os integrantes do clube compareceram em massa. Lá estavam todos, com suas esposas e suas reluzentes máquinas, como manda a mais pura tradição dos motocilistas. Enfim, uma reunião de famílias.
Conhecemos também, a praia Busca Vida. Ao norte de Salvador, tem acesso restrito aos moradores do condomínio de mesmo nome. Puro sossego. O Tigrão nos levou para conhecer essa maravilha, e de quebra, um suculento churrasco na casa de praia da família. Muitos amigos por lá.
À noite, fomos convidados para a inauguração da Rota do Rocôncavo. Trata-se de uma rota turística, de duzentos e cinqüenta quilômetros, que parte do Farol da Barra e contorna a Baia de Todos os Santos, corta pela ilha de Itaparica, e retorna ao ponto de partida depois de uma travessia de balsa. No caminho, muitas atrações justificam o passeio: igrejas e museus, tradicionais fábricas de charutos, restaurantes de comidas típicas, artesanatos e belas praias.
Finalizando nossa noite, um agradável batepapo no botequim Conversa Fiada, tradicional ponto de encontro dos integrantes do grupo do Escritório da Barra.
Era Quarta-feira, 27 de outubro, e estávamos no 152º dia de viagem.
Marco da Linha do Equador, em Roraima

Terras indígenas: reserva Waimiri Atroari

Porto de Manaus

Sede dos Hells Angels, em Manaus

Acomodando a moto, no navio Santarém

Tarde a bordo, navegando pelo Amazonas

Menino ribeirinho, que abordou o navio

No sertão cearense

Em Sobral, Ceará, com Dibe, do Bodes do Asfalto, e seu filho.

Em Fortaleza, com os irmãos Carlos e Alexandre Sain

Em Aracaju, com amigos de Salvador

Com as baianas de Salvador

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