quinta-feira, 20 de outubro de 2011

São Paulo, Curitiba, Bal. Camboriú

Saindo do Rio, enfrentamos grandes congestionamentos no trânsito, mas que foram habilmente contornados pelo nosso guia, o Artur. Saindo da Barra da Tijuca, num instante estávamos na Linha Amarela, para em seguida ganharmos a Dutra e rumarmos direto para São Paulo, nossa próxima parada. Com um aceno de mão, nos despedimos de Artur, que retornou para sua cidade, para seus afazeres. Obrigado companheiro, por tudo que fez por nós.
Em Itatiaia, parada para nos despedirmos de nossos amigos Cmte. Edgard e Cida, que muito gentilmente nos acompanharam desde Belo Horizonte. Ali se despediram para rumarem até Caxambu, onde participarão de encontro de motociclistas.
Continuando pela Dutra, chegamos a Aparecida do Norte. Ali paramos por um instante, para visitar o Santuário e agradecer a Deus, através da santinha milagrosa, por ter nos acompanhado durante toda a jornada, por ter-nos conduzido pelo bom caminho e não ter deixado acontecer nenhum mal conosco. E foram em muitas ocasiões que pedimos ajuda a Ele, que nunca se negou a nos atender. Foi nosso garupa.
Em São Paulo, rumamos direto para Alphaville, onde nos aguardavam os nossos grandes amigos Laranjeira e Heloisa. Quanta alegria reencontrarmos esse simpático casal, que em outra ocasião nos hospedou, quando passamos por Boca Raton, na Flórida, e agora, novamente nos recebe, em seu confortável apartamento. Altas mordomias...
À noite, no Jacaré Grill, encontro com o famoso grupo de harlystas de São Paulo, os VMDB (Valente Motoqueiro Destemido e Beberrão). Lá tivemos a oportunidade de rever grandes e velhos amigos, de longas jornadas: o Ítalo, o Xará, o Dov, o JB.
Nosso segundo dia em São Paulo foi de muito descanso e pura magia. Magia pelo carinho com que fomos tratados pelos nossos amigos Laranjeira e Heloisa.
Antes do almoço a grande indecisão: vamos aperitivar com uma “Cava” Espanhola ou um “Prosecco” Italiano? Bem, na duvida, bebemos as duas...
Almoço preparado pela “Benedita” (apelido de cozinheiro do Laranjeira) bem caseiro; arroz e feijão e uma carne de sol acebolada puxada na manteiga e azeite. Bebida, só cervejinha gelada. Sobremesas, frutas, o brigadeirão de chocolate e pavé.
 “Como o tempo passa, como o tempo voa,
Neste meu São Paulo, terra da garoa.”
São Paulo da Garoa - Tonico e Tinoco
Choveu a noite inteira. E amanheceu chovendo. Foi assim que deixamos São Paulo: debaixo de muita chuva. Despedimo-nos de Laranjeira e de Heloisa na garagem do prédio. Depois vi pelo retrovisor, que eles nos observavam do portão. Levantei a mão rapidamente, dando adeus àqueles dois anjos que nos acolheram mais uma vez, na intimidade do seu lar. Queria gritar alguma coisa, dizer mais uma vez muito obrigado, mas o capacete fechado abafou tudo.
Notei que eles continuaram acenando para nós, até que desaparecêssemos no final da rua, encobertos pela chuva incessante. Até breve, amigos, falei baixinho, e desejei ao casal, muitas felicidades, e que fizessem boa viagem (à noite embarcariam para os States).
Num instante estávamos na Castelo, para em seguida pegar o Rodoanel que nos levaria à Régis, em direção a Curitiba, nossa última parada antes de chegar em casa.
Enquanto vencíamos os quilômetros que nos separam de casa, como num filme em alta velocidade, toda a viagem começou a desfilar em minha mente. A longa travessia do Chaco argentino, a subida na gelada Cordilheira dos Andes, o majestoso Deserto de Atacama, a visão do Pacífico em Iquique, os penhascos da Colombia, a Serra Tarahumara no México, enfim, lugares maravilhosos por onde passamos. Mas muito mais que paisagens, encontramos e conhecemos muitas pessoas, verdadeiros anjos que nos receberam e nos acolheram em suas casas. Eles tornaram nossa jornada muito mais leve e prazerosa.
Na descida da serra do Azeite, onde a rodovia ainda não está duplicada, muita atenção. Movimento intenso de caminhões. Mas para nossa alegria, a chuva cessa. Pilotar no asfalto seco é muito mais agradável, e no meio da tarde, já estávamos em Curitiba.
À noite jantar em boa companhia: meu irmão Orlei, acompanhado da esposa Ilizete.
Domingo, 7 de novembro de 2010, 163º dia de viagem
Agora falta pouco. Pouco mais de duzentos quilômetros nos separam de nossa casa, do término desta grande viagem, de matar as saudades daqueles que nos são caros.
A meio caminho, no Rudnick de Pirabeiraba, lá estavam, nosso filho André Luiz e a neta Ana Luiza nos aguardando. Estavam de moto, numa imponente BMW R 1200 GS Adventure, a mesma que utilizamos no começo do ano, para irmos até Ushuaia. Que bom vê-los. Que bom ser recebido por eles!
Mais à frente, somos alcançados por uma superesportiva Suzuki. Era nosso filho, o Fernando e sua esposa, a Lu. Nossos corações vão a mil, de alegria e de emoção. Já estamos quase chegando. É muito bom viajar, mas é melhor ainda, quando se tem para onde voltar. Para a casa da gente, para o convívio dos familiares e dos amigos.
Na chegada, almoço de domingo completo. Toda a família presente. Lá estavam, o nosso outro filho, o Marco Aurélio e esposa Milena, e os filhos Marco e Maitê; a Ana e o Du, esposa e filho do André Luiz.
Completando, um animado jantar entre amigos motociclistas de Balneário, organizado pelo Cmte. Roque e Cmte. Maccori, onde pudemos relatar alguns dos melhores momentos vividos ao longo dos dias de viagem.
E não foi só isso! Dias depois fomos convidados para reunião no Ap. do Grande Cacique Dolor, Presidente dos Fazedores de Chuva, onde recebemos, eu e Terezinha, o Diploma de Grandes Caciques Fazedores de Chuva – Honraria concedida àqueles que percorreram de moto, de um extremo ao outro das Américas, sempre por via terrestre, entre Ushuaia, na Tierra Del Fuego, Argentina, e Prudhoe Bay, no Alaska, Estados Unidos.
Resumindo,
Saímos de Santa Catarina no dia 29 de maio e chegamos ao destino, Prudhoe Bay, no Alaska, no dia 30 de julho, tendo percorrido até então 24.238 quilômetros, margeando o Oceano Pacífico sempre que possível. O trecho entre Bogotá e Panama City fizemos via aérea, por não existir estrada cortando a região conhecida como Darién.
A viagem de volta foi um pouco mais longa e demorada, devido a um “tour” pelos Estados Unidos e Canadá. Saímos de Prudhoe Bay no dia 1º de agosto e chegamos em casa dia 7 de novembro, tendo percorrido nesse trecho 36.418 quilômetros, agora, quando possível, margeando o Oceano Atlântico. Novamente utilizamos avião para cruzar o Darién, e barco para descer de Manaus até Belém (quatro dias e quatro noites navegando pelo Rio Amazonas – Majestoso!).
Todo trajeto feito sem carro de apoio.
As melhores estradas encontramos nos Estados Unidos e Canadá, e as pedagiadas do México, e o pior trecho, no Brasil, entre Boa Vista e Manaus, e a BR 101, em Pernambuco. A gasolina mais cara foi a brasileira, e a mais barata, na Venezuela (com um real é possível comprar 57 litros).
Ficamos impressionados com a segurança nas rodovias da Colômbia, especialmente no trecho que corta a região outrora ocupada pelas FARC, e com a burocracia nas alfândegas dos países da América Central.
Tivemos a rara oportunidade de admirar as Barrancas da Serra Tarahumara e as Pirâmides Astecas e Maias, no México; o Grand Canyon e o Parque Yellowstone, nos Estados Unidos. E de quebra, ainda participamos do encontro de motociclistas em Sturgis, e visitamos a fábrica da Harley em York, na Pensilvania, onde são fabricadas as Electras e os triciclos.
Voltei satisfeito com o atendimento que tive nas oficinas autorizadas Harley na América do Norte e em Belo Horizonte. Minha moto era nova, dentro da garantia, e muitos reparos foram feitos por conta disso, sem maiores dificuldades.
Para esta viagem investi R$111.176,00 (eu e minha esposa/garupa), em despesas diversas, desde obtenção de vistos, seguro de saúde, passagens aéreas, de barco, de trem, hotel, comida, combustível, manutenção da moto, roupas e lembranças (poucas), excluindo a compra da moto.

Agradecendo...

Com o amigo Dov Koren, em São Paulo

Os amigos Laranjeira e Heloísa, em São Paulo

Represa Jacupiranga, chegando em Curitiba

André Luiz e Ana Luiza, nos recebendo em Pirabeiraba

Fernando e Lu

Com Fernando e André Luiz

Nossos três filhos: André Luiz, Marco Aurélio e Fernando

Entrevista na chegada

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Belo Horizonte e Rio de Janeiro

Saindo de Salvador, mudamos um pouco nossos planos, e tocamos direto para Belo Horizonte, onde pretendemos deixar nossas motos aos cuidados do Bruno, na HD/BH, para fazer a manutenção de rotina, e acertar alguns probleminhas decorrentes da longa viagem.
Tigrão nos acompanhou na saída de Salvador, mostrando o melhor caminho. Era bem cedo, a cidade estava acordando, poucos veículos nas ruas, trânsito fluindo normalmente.
Em pouco tempo chegávamos a Feira de Santana, e ali tomamos a BR 116 que nos levaria a Governador Valadares, e depois à capital mineira.
A BR 116 na Bahia está com o pavimento em bom estado, porém, intenso movimento de caminhões, e muitas lombadas, fazem com que a viagem se torne lenta.
Depois de passarmos Vitória da Conquista, já no município de Águas Vermelhas, durante um abastecimento, conversamos com caminhoneiros que nos convenceram a mudar o itinerário, para Salinas e depois Montes Claros, para chegar a Belo Horizonte. Para tanto, deveríamos tomar a BR 251 no trevo logo à frente. Asseguraram-nos que a estrada é melhor, menos movimento, poucas lombadas. Assim fizemos. Estrada maravilhosa. “Um tapete”, conforme disseram.
Ao anoitecer, chegamos a Montes Claros, convictos de que tínhamos tomado o melhor caminho.
Saindo de Montes Claros, seguimos pela BR 135 em direção a Belo Horizonte. Rodovia em excelentes condições, pouco movimento.
Em Sete Lagoas, já na BR 040, nos aguardavam os companheiros do grupo Águias de Aço de Belo Horizonte, entre eles o nosso particular amigo Cap. Senra, que tive o prazer e a honra de conhecer em 1.967, na EsSA (Escola de Sargentos das Armas), em Três Corações/MG.
Quanta honra para nós sermos recebidos por tão seleto grupo. Aliás, a chegada no Brasil tem sido o ponto alto de nossa viagem. Que prazer nos dá rever os amigos, conhecer outros tantos, poder contar a eles detalhes da viagem, dos lugares por onde passamos, da experiência que trazemos em nossa bagagem.
Em comboio invadimos Belo Horizonte, e num instante estávamos na loja HD, deixando nossas valentes motocicletas aos cuidados do competente Bruno, para a mais do que merecida revisão. Afinal a última fora feita em León, no México.
À noite, jantar na casa do Comandante Edgard, quando então a sua querida Cida teve a oportunidade demonstrar os seus dotes culinários, servindo entre outras iguarias, um autêntico e delicioso pão de queijo mineiro (feito por ela mesmo, naturalmente).
Sábado de folga em Belo Horizonte. Programa obrigatório para os harlistas, é uma passada pela loja HD, para rever os amigos, ouvir e contar histórias, mostrar aquele novo acessório recentemente instalado, jogar conversa fora.
Terezinha não está bem. Sente fortes dores na coluna, conseqüência de uma pancada sofrida ontem, numa lombada na saída de Montes Claros. Jackie a leva para o Hospital Madre Tereza, onde é atendida por ortopedista na emergência. Atendimento rápido e cortês. Radiografia nada acusa. É medicada e liberada, mas deve ficar em repouso o dia todo.
E continuando nossa visita, e dentro das melhores tradições mineiras, não poderíamos deixar de almoçar a mais autêntica comida mineira. Almoço no restaurante Panela de Pedra, em Confins. Impressionante a grande quantidade de comida oferecida, em três enormes fogões a lenha. Presença maciça dos motociclistas de Belo Horizonte, ávidos para saberem curiosidades sobre a viagem, roteiros, estradas, aduanas, e também sobre o funcionamento da montadora em Manaus.
Domingo de eleições. Ao lado do hotel, um local de votação. E para lá fomos cumprir nossa obrigação eleitoral: justificar o voto, pois estamos fora de nosso domicilio. Heloisa, mesária da seção nos atendeu e nos orientou sobre o procedimento. Muito simpática, interessou-se por nossa viagem, fez muitas perguntas, e pacientemente, ouviu muitas histórias e passagens interessantes.
Depois, uma visita à Feira Dominical de Artesanatos. Tem de tudo, como convém a uma boa feira. Barracas vendendo comidas, roupas, artesanias diversas e... uma baiana fazendo acarajé. Era tudo o que queríamos. Fotos, filmetes, muito papo, e muita animação enquanto saboreávamos a iguaria.
Dali fomos direto para a casa do Comandante Edgard, onde sua querida Cida nos preparou um autêntico e mineiríssimo almoço.
E completando nosso domingo, aniversário do Capitão Senra (comemorado com um pouco de atraso), quando ele e sua querida Geralda reuniram amigos para um jantar (como se come nessa terra!) no Galpão. Muitos membros do Grupo Águias de Aço, do grupo VMD, da Polícia do Exército, amigos e familiares presentes. E cariocas: Artur e querida Claudia, Balaciano e querida Rose, Cézar e Drago, vieram do Rio de Janeiro especialmente para a festa e para nos acompanhar até sua cidade.
Ponto alto foi a fala do Capitão. Citou a nossa presença, a nossa viagem, elogiou o nosso feito. Disse que atrasou a comemoração do aniversário, exatamente para coincidir com a nossa volta, o que muito nos honrou e envaideceu. Afinal receber um elogio daquele que é um dos mais experientes motocilistas do Brasil, nos encheu o peito de orgulho.
Segunda-feira tranqüila em Belo Horizonte. Enquanto aguardamos pela conclusão dos trabalhos de revisão em nossas motos, a cargo do competente Bruno & equipe, aproveitamos o tempo vago para colocar em dia nossas rotinas. Afinal, hoje é o 157º dia de viagem. Mais de cinco meses, mas parece que foi ontem, quando acordei naquela madrugada de sábado, 29 de maio, para dar início a essa jornada. O tempo passa muito rápido, principalmente quando fazemos o que gostamos. Portanto, precisamos nos dedicar mais a fazer o que gostamos, pois, caso contrário, corremos o risco de não fazer tudo o que queremos.
Voltando à realidade, uma chegadinha na oficina HD para ver como estão os trabalhos. A moto está pronta, faltando somente o teste de rua. Foram trocados os discos de freio dianteiros que estavam empenados, e os rolamentos que estavam danificados. Só para relembrar, o mecânico do “dealer” em Managua já havia diagnosticado discos empenados, mas não os substituiu por não dispor em estoque. Recomendou São José, da Costa Rica. Lá, após um teste, o mecânico disse que os freios estavam normais. A trepidação que eu sentia era normal do ABS. Hummmm!
Queremos deixar aqui registrado nossos mais sinceros agradecimentos ao Bruno, chefe dos mecânicos da loja HD em Belo Horizonte, pelo empenho, dedicação, profissionalismo e competência com que nos atenderam, e não mediram esforços para entregar nossas motos “zeradas”, estendendo sua jornada de trabalho noite adentro. Muito obrigado, amigos.
Próxima parada, Rio de Janeiro. Devidamente escoltados pelos amigos cariocas, lá fomos nós. Quase chegando ao Rio, um grupo de motociclistas nos esperava, aumentando sobremaneira o comboio. E a chegada no Rio foi emocionante. Centenas de motociclistas estavam reunidos no Bar Beco do Alemão, na Barra da Tijuca, nos aguardando, com faixa de boas vindas e tudo o mais.
Dia seguinte, folga. O dia amanheceu perfeito, combinando com o Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa. Na praia em frente ao hotel, muita gente já aproveitava os primeiros raios do sol para a caminhada matinal. Outros, apenas para relaxar nas areias brancas, aproveitando para descansar das intensas atividades do final de semana prolongado.
Balaciano e sua querida Rose chegaram no horário combinado. Em dois carros, lá fomos nós, num dos mais agradáveis passeios de toda a viagem: conhecer o Rio, ou pelo menos, parte dele.
Próxima parada, Corcovado. Os carros não podem subir. Temos duas opções: de bondinho ou de van. Optamos por subir de van, que oferece a oportunidade de algumas paradas para fotos durante a subida, além de contarmos com preciosas informações passadas pelo guia, que é também o motorista.
O Rio visto do Corcovado é realmente maravilhoso. De lá se avista o Maracanã, a ponte Rio-Niterói, os aeroportos do Galeão e o Santos Dumont, o Pão de Açúcar, a cidade de Niterói, e toda a Baia da Guanabara. Poderíamos passar horas ali, nos deliciando com tanta beleza, mas é hora de voltar. Temos compromisso.
À noite, no bar Beco do Alemão, o tradicional ponto de encontro de motociclistas cariocas, que gentilmente nos recebeu ontem, temos mais um compromisso: gravar matéria sobre nossa viagem com equipe de jornalismo do SBT, para ir ao ar em rede nacional.
Nossa passagem pelo Rio foi marcada pelo hospitalidade, cortesia e companheirismo dos motociclistas cariocas. Nosso especial agradecimento ao amigo Artur Albuquerque e querida Cláudia, ao Balaciano e querida Rose, que além de nos acompanharem desde Belo Horizonte, organizaram essa magnífica recepção; ao César e Drago; ao Giba e querida, enfim, todos os motociclistas que nos acompanharam nesse trecho da expedição.
Era Quarta-feira, 3 de novembro, e estávamos no 159º dia de viagem.
Chegando a Montes Claros, Minas

Com a amiga Cida, de BH

Com os amigos Cariocas

Terezinha e Cida

Com os amigos Edgard e Cida, a caminho do Rio

Com as amigas Cida e Rose, no Rio

No Corcovado

No Bar Beco do Alemão, Barra da Tijuca

domingo, 16 de outubro de 2011

Belém, Fortaleza, Salvador

Estamos de volta à nossa realidade. A estrada que liga Boa Vista a Manaus, a BR 174, tem o pior trecho que passamos durante toda a expedição. São trezentos e setenta quilômetros de poeira e buracos (não choveu, senão teríamos lama também). Lamentavelmente temos no Brasil as piores estradas, e o combustível mais caro que vimos.
Logo na saída de Boa Vista, a estrada é boa. Foi recuperado o trecho até Mucajaí. Depois, é um verdadeiro inferno. Os veículos parecem dançar um estranho bailado, de um lado para outro da rodovia, buscando fugir aos incontáveis buracos. Em muitos trechos o trânsito é feito pelo acostamento.
Depois de Vila Jundiá, a rodovia corta a reserva indígena Waimiri Atroari. São mais de setenta quilômetros de muitos buracos. Placas exibem estranhos avisos: “evite parar”, “não filme nem fotografe”, “respeite os índios”.
E mais: soubemos que nesse trecho, a rodovia é fechada à noite, “para não perturbar os índios”. Hummm!!! Em momento algum, vimos índios ou vestígio deles.
Em seguida a rodovia entra no Estado do Amazonas, e o pavimento parece melhorar. Ledo engano. Traiçoeiros buracos se escondem, prontos para engolir as rodas de algum veículo em alta velocidade, cujo motorista não esteja atento.
Ao final da tarde, conseguimos chegar a Manaus, sãos e salvos. Hospedamo-nos no Hotel Ibis. Agora temos que procurar o transporte para Belém, via rio Amazonas.
E foi durante o café da manhã no dia seguinte, que conhecemos o gerente do hotel, o Fernando, que assim como nós, é um apaixonado por motocicletas. E veio conversar conosco, saber da nossa viagem, se colocar à disposição para nos orientar sobre o transporte de barco até Belém.
Nossa grande preocupação era definirmos o transporte das motos para Belém, via fluvial, para então fixarmos o nosso roteiro de retorno, pelo Brasil, via costa nordestina. Chegamos em Manaus no sábado, e soubemos que o próximo navio sairá somente na quarta-feira.
Na segunda-feira pela manhã fomos apresentados a Lula, o taxista que faz ponto em frente ao hotel. Ele ficou encarregado de nos conduzir pela cidade de Manaus, e principalmente, nos levar ao porto para contratarmos um barco para nos levar a Belém. Foi tudo muito fácil. Dissemos a ele o que queríamos e ele nos levou direto ao capitão do barco Santarém.
No barco, fomos recebidos pelo capitão Cristiano, e com ele definimos os detalhes. As motos irão no convés, e nós em suítes (com ar condicionado e banheiro privativo).
O transporte de cada moto custará quinhentos reais, e cada suíte oitocentos reais, comidas e bebidas à parte.
Examinamos, quero dizer, percorremos o barco, e fechamos o negócio. Embarcaremos na próxima quarta-feira à tarde, com chegada em Belém prevista para domingo pela manhã. Agora é só expectativa por esse trecho da viagem, completamente diferente de tudo o que fizemos até então. A emoção de navegar por quatro dias pelo Rio Amazonas é visível em todos nós, mas principalmente na Terezinha, nossa geógrafa, que por muitos e muitos anos falou sobre o grande rio em suas aulas, e agora está prestes a ter contato direto e demorado com ele.
Anexo ao porto de Manaus está o Mercado Público, famoso por sua arquitetura e variedade de artigos comercializados. O mercado está em reforma, o que não prejudicou a visita. O peixe é a principal atração. São incontáveis as bancas oferecendo os mais variados tipos de peixes, desde sardinhas até gigantescos pirarucus, o bacalhau brasileiro, sem falar das frutas da floresta, ervas e raízes medicinais. Impossível deixar de provar um suco de cupuaçu, ou um sorvete de bacuri.
Para almoço, Lula nos levou a um restaurante simples, mas muito limpo, com cardápio exclusivo em peixes. Deixamos o pedido por conta dele. Foi-nos servido costelas de tambaqui fritas, arroz, farofa e salada. Delícia.
Ao final da tarde fomos visitar o Jian, um harleyro conhecidíssimo na cidade. Ele é o presidente do Hells Angels de Manaus. Levou-nos a conhecer a sede deles. Ficamos impressionados com o que vimos: uma sede muito bem organizada, com fotos de encontros e de membros do grupo no mundo todo, e estrutura para receber os amigos.
E para terminar nosso dia, Fernando, o gerente do Ibis, nos convida para jantar em seu apartamento. Sua esposa Marisa é uma cozinheira e tanto. Para o jantar ela preparou “Tambaqui al Horno”, digo, ao forno, e para acompanhar, spaguetti com atum e baião de dois. Exageramos. E para sobremesa, torta de coco com manjar de cupuaçu. Exageramos novamente.
Na véspera da viagem, fomos a um supermercado comprar algumas mercadorias necessárias, como água, biscoitos, chocolates, e principalmente brinquedos e material escolar, para doarmos às crianças ribeirinhas, que em alguns pontos mais estreitos do rio, se aproximam do navio em frágeis canoas para serem agraciadas.
Em um bairro bem próximo ao centro, em Manaus, está localizada a Harley-Davidson do Brasil (HDB). E para lá fomos. Na verdade, estávamos levando nossas motos para reverem a sua casa, a casa onde foram montadas.
Fomos recebidos pelo Celso Ganeko, gerente geral, e sua equipe. Todos foram muito atenciosos conosco, responderam a todas as perguntas, esclareceram todas as nossas dúvidas e nos brindaram com uma visita à linha de montagem.
Trata-se de empresa de propriedade da Harley-Davidson norteamericana, criada especialmente para atender o mercado brasileiro. Todas as motocicletas Harley-Davidson vendidas no Brasil, são montadas ali.
São centenas e centenas de partes e peças que vêm de fábricas norteamericanas para aqui serem montadas as famosas motocicletas.
Iniciamos nosso tour pela fábrica, pela montagem dos motores. Um a um, são meticulosamente montados. Funcionários altamente especializados recebem o bloco e a ele vão agregando peças, dando apertos na pressão correta, até obterem o produto final, os possantes motores que impulsionam nossas motocicletas.
Assim como os motores, são montadas as rodas, o tanque, o guidon, o sistema elétrico, enfim, tudo montado ali, até o produto final, que é testado em um aparelho chamado “rollertest”, uma espécie de dinamômetro, onde a motocicleta é submetida a uma velocidade de cem quilômetros/hora. Tudo é verificado: precisão do velocímetro, sistema elétrico, câmbio, freios, etc.
Vimos que a montadora aqui possui grande quantidade de peças e pneus à disposição das revendas, porém que não são demandadas.
Ao final, nos brindaram com camisetas comemorativas: da produção de dez mil unidades, e outra da celebração de dez anos de atividade, em 2009.
Encerrando nossa passagem por Manaus, à tarde embarcamos para Belém. O nível das águas do rio está muito baixo, dificultando o embarque. Para chegar até o navio, uma faixa de cem metros de areia fofa, até o cais flutuante. Veneno para as motos.
Depois, outra dificuldade maior ainda. O navio não é feito para levar veículos, daí uma dificuldade muito grande em colocar as motos no convés. Foi necessária a ajuda de meia dúzia de estivadores para colocá-las para dentro. A passagem de acesso é muito baixa, não permite a passagem da moto em pé, situação ainda agravada por uma escotilha enorme, de acesso ao porão. Acomodamo-las no convés, junto aos passageiros que viajam em redes.
Finalizando nosso dia, ficamos sem jantar. O navio atrasou a saída. Zarpou somente ao anoitecer. Ficamos todos envolvidos contemplando as luzes de Manaus e explorando o navio que, quando pensamos em jantar, este já tinha se encerrado. Ainda bem que trouxemos um “catanho”, que resolveu nosso problema.
Preocupados em não perder o horário do café da manhã, fomos ao refeitório o mais cedo possível e... tarde demais. Conseguimos apenas o final das panelas. Os ovos mexidos estavam frios, o café muito forte e extremamente doce. Mas tive sorte. Consegui a última fatia de melão e a última de queijo. O mamão papaia estava com gosto de azeite. Horrível! O café da manhã custa cinco reais. Pode-se servir à vontade, desde que tenha disponível.
O dia todo ficamos explorando o barco Santarém, apreciando a calma dos passageiros que viajam em redes. Passam o dia inteiro estendidos nas redes, ora dormindo, ora conversando com os vizinhos ao lado, totalmente despreocupados, esquecidos do mundo.
Não perdemos o horário do almoço. Na hora marcada, lá estávamos nós. O prato feito custa oito reais, e o bufê, para se servir à vontade, dez reais.
O cardápio estava bem variado: feijão, arroz, macarrão, salada e carne de panela. Para beber, água. A carne estava bem temperada e macia.
E mais. Soubemos que para o jantar haveria repetição do cardápio.
Mas fomos salvos pela iniciativa de alguns passageiros que conhecemos durante a viagem. Pelo telefone celular (não sei exatamente como funcionou aqui no meio do rio) encomendaram peixes a um pescador, que não demorou em abordar nosso barco e entregar belos exemplares de tambaquis.
E o cozinheiro do barco caprichou uma caldeirada de peixes digna de reis, e mais um peixe assado inteiro no forno. Ambos espetaculares. Exageramos.
A rotina no barco é comer, dormir, e contemplar as margens do grande rio, que lentamente vão desfilando aos nossos olhos. Vez por outra cruzam, uma chata carregada de carretas (sem os caminhões), pequenos barcos de pescadores, fazendas e casas dos ribeirinhos.
Pela manhã, atracamos no porto de Santarém. Passageiros desceram, outros subiram. E nós aproveitamos o tempo para conhecer a praia mais famosa da região, Alter do Chão, no rio Tapajós. Santarém está situada na confluência dos rios Amazonas e Tapajós. Tem até encontro das águas barrentas do Amazonas, com as azuis do Tapajós, que resistem em se misturar. E mais uma vez, a exemplo do que ocorre em Manaus na confluência com o Rio Negro, o grande Amazonas vence.
Fomos de taxi, via rodoviária, asfalto novinho. O lugar é maravilhoso, conhecido por aqui, como o “Caribe Brasileiro”. Praias de areias brancas e águas limpas, calmas e pouco profundas fazem do lugar a maior atração da cidade.
De volta à cidade, ainda tivemos tempo para almoçar no Piracema (o sabor que encanta), um dos melhores restaurantes de Santarém. No cardápio, pirarucu recheado com banana e queijo, e para beber, uma Cerpa ou um delicioso suco de cupuaçu. Quem resiste a tantas delícias?
Chegamos em Belém já era noite de domingo. Ficamos no Ibis, gentilmente reservado pelo Fernando.
De Belém fomos a Teresina e daí a Fortaleza, onde ficamos hospedados no apartamento dos irmãos Carlos e Alexandre Sain, que muito gentilmente nos acolheram e nos conduziram pela cidade.
De Fortaleza fomos a João Pessoa, na Paraíba, e dali a Aracaju, no Sergipe, passando pelo Recife, onde a rodovia BR 101 estava em péssimo estado, agravado por fortes chuvas.
Domingo, dia de descanso para nossas motos. Em uma van de empresa de turismo, fomos até a cidade de Canindé do São Francisco, conhecer os famosos cânions inundados pela barragem de Xingó. Distante cerca de duzentos e dez quilômetros de Aracaju, a pequena cidade está situada no noroeste do estado de Sergipe, bem próxima às divisas com os estados de Alagoas e Bahia.
A rodovia SE 206 (que nos leva até lá) está com o pavimento em bom estado. No trajeto, corta dezenas de pequenos municípios, que se sucedem num intervalo não superior a cinco quilômetros. Ou seja, a cada 5 Km, uma cidadezinha, de aproximadamente cinco mil habitantes, com toda a estrutura de um município, com prefeito, prefeitura, gabinete, câmara de vereadores, servidores públicos, e lombadas. Dezenas delas.
Bem próximo a Canindé, a Grota do Angico. Lugar famoso por ter sido lá, que Lampião e seu bando de cangaceiros, foram emboscados e mortos.
Em Canindé está a monumental represa de Xingó. E no lago por ela formado, nos espera o catamarã “Rei do Cangaço”. Muito confortável, com lugar para duzentos e cinquenta pessoas navegarem no imenso lago formado pela represa, de águas limpas, em bela cor verde, destacando as margens de rochas graníticas, ora aparentes, ora cobertas por vegetação de cerrado.
Na Gruta do Talhado, pausa para um refrescante mergulho nas águas calmas da represa. Hora de voltar, mas não sem antes passar pelo restaurante flutuante “Carrancas” e saborear um delicioso surubim ao molho de camarão.
Já era noite quando retornamos a Aracaju, mas podia-se observar no semblante de todos os passageiros da Van, um sorriso de contentamento por terem conhecido um dos mais belos recantos do Brasil.
A viagem de Aracaju a Salvador foi uma das mais prazerosa que tivemos. Isto porque estávamos muito bem acompanhados, por cinco motocilistas de Salvador, entre eles o Davidson, o Bruno, e o Aldo, que foram a Aracaju especialmente para nos acompanhar até a sua cidade.
É muita honra para nós. Agora eram sete motos na estrada. E viemos por uma estrada fantástica, muito bonita, pouco movimento, chamada Linha Verde. É paralela à BR 101, só que mais próxima à beira-mar. E quando se aproxima de Salvador, é conhecida como a Rodovia do Coco.
Em Salvador ficamos hospedados no Monte Pascoal Praia Hotel, na Avenida Oceânica, muito próximo ao Farol da Barra, tradicional ponto turístico e de encontro, da capital baiana. E foi lá que, iluminados por um belíssimo por do sol (aqui é possível ver o por do sol no mar), gravamos imagens e entrevista para programa de esporte da TV Bahia.
Encerrando nossa noite, a convite do Davidson, fomos jantar em sua casa. Para nossa surpresa, o cozinheiro era o próprio. Serviu-nos delicioso bacalhau, e pernil de ovelha temperado com ervas, receitas que ele nos assegurou serem sua criação e que foram aprovadas por todos. E para acompanhar, vinhos especialmente selecionados em sua adega. Sua esposa acompanhava tudo de perto, cuidando dos detalhes.
Nosso primeiro dia de folga em Salvador começou com um City-tour conduzido pelo Bruno, que nos levou a conhecer pontos tradicionais da capital baiana, como o Elevador Lacerda e o Mercado Modelo.
Próxima parada, Iate Clube, onde nos esperava o Davidson para nos levar a um passeio pelas águas da Baia de Todos os Santos. A bordo de sua lancha Guigo, pudemos observar a cidade de um ângulo diferente, e apreciar a beleza do casario antigo, contrastando com modernos edifícios que se erguem à beira-mar.
Nosso destino era a Ilha de Maré, tradicional ponto de parada dos navegantes para uma deliciosa refeição à base de frutos do mar. No caminho, a Base Naval de Aratu, também conhecida por abrigar uma praia particular, onde o Presidente da República costuma passar férias.
Encerrando o dia, fomos a uma reunião jantar do Club HD Bahia, no restaurante “A Nossa Casa”, tradicional ponto de encontro dos motocilistas da cidade. E os integrantes do clube compareceram em massa. Lá estavam todos, com suas esposas e suas reluzentes máquinas, como manda a mais pura tradição dos motocilistas. Enfim, uma reunião de famílias.
Conhecemos também, a praia Busca Vida. Ao norte de Salvador, tem acesso restrito aos moradores do condomínio de mesmo nome. Puro sossego. O Tigrão nos levou para conhecer essa maravilha, e de quebra, um suculento churrasco na casa de praia da família. Muitos amigos por lá.
À noite, fomos convidados para a inauguração da Rota do Rocôncavo. Trata-se de uma rota turística, de duzentos e cinqüenta quilômetros, que parte do Farol da Barra e contorna a Baia de Todos os Santos, corta pela ilha de Itaparica, e retorna ao ponto de partida depois de uma travessia de balsa. No caminho, muitas atrações justificam o passeio: igrejas e museus, tradicionais fábricas de charutos, restaurantes de comidas típicas, artesanatos e belas praias.
Finalizando nossa noite, um agradável batepapo no botequim Conversa Fiada, tradicional ponto de encontro dos integrantes do grupo do Escritório da Barra.
Era Quarta-feira, 27 de outubro, e estávamos no 152º dia de viagem.
Marco da Linha do Equador, em Roraima

Terras indígenas: reserva Waimiri Atroari

Porto de Manaus

Sede dos Hells Angels, em Manaus

Acomodando a moto, no navio Santarém

Tarde a bordo, navegando pelo Amazonas

Menino ribeirinho, que abordou o navio

No sertão cearense

Em Sobral, Ceará, com Dibe, do Bodes do Asfalto, e seu filho.

Em Fortaleza, com os irmãos Carlos e Alexandre Sain

Em Aracaju, com amigos de Salvador

Com as baianas de Salvador

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Bogotá, Cúcuta, Caracas, Boa Vista

Conforme previsto, a liberação das motos em Bogotá foi rápida, graças ao auxílio do pessoal da Air Cargo Pack, e ao final da tarde da sexta-feira, dia 1º de outubro já estávamos liberados para seguir viagem.
De Bogotá seguimos direto para Bucaramanga, onde chegamos já noite, devido a um bloqueio na rodovia para realização de prova ciclística.
A rodovia que liga Bucaramanga a Cúcuta é uma das mais sinuosas que já vi. Simplesmente não existem retas. Ora subindo, ora descendo, mas sempre fazendo muitas curvas. Aliás, assim é a maioria das rodovias na Colômbia. Curvas muito fechadas, intenso trânsito de grandes caminhões que ocupam as duas pistas para contorná-las. E as condições do pavimento nem sempre são as melhores. E nesta época de chuvas, muitos “derrumbes” obrigam o fechamento de uma das pistas, congestionando o trânsito.
O curioso, é que nessa rodovia é cobrado pedágio. Motos não pagam. Oba! Mas em nenhum momento vimos vestígios de algum trabalho de manutenção, de fechamento dos buracos (que são muitos), de limpeza de pista, de remoção de material desmoronado. Parece um lugar esquecido por Deus.
E ciclistas, muitos ciclistas, em grandes grupos, subindo ou descendo, sempre com os carros de apoio a lhes seguir, dificultam ainda mais a passagem.
Mas tem trechos espetaculares, como o altiplano de Berlin. Às margens da rodovia, extensas plantações de cebolas, muito bem cuidadas, quebram aquela imagem de densa floresta e profundos abismos que só se via até então.
Uma breve parada num quiosque à beira da estrada nos revela que o sofrido povo colombiano é muito hospitaleiro, e de fina educação. Banheiros simples e limpos é o cartão de visitas. Então pudemos saborear uma deliciosa empanada de arroz com carne (e molho picante), acompanhada de café com leite quentinho, enquanto conversávamos com eles, contando nossa aventura até as longínquas e geladas terras do Alasca.
Em seguida cruzamos por Pamplona, já no pé da serra. Pelas informações, sabíamos que doravante a estrada melhoraria, o pavimento é melhor, menos curvas. Já conseguíamos andar a oitenta, ou até noventa por hora. Os motores das motos agradecem o vento que agora recebem para poderem se refrescar.
Finalmente chegamos a Cúcuta, na fronteira com a Venezuela. Fomos direto para a aduana. O trâmite de saída é rápido. Enquanto aguardávamos as verificações de praxe, notamos grande quantidade de “pimpitas” (bombonas de vinte litros), bem ao lado da aduana. Curioso, perguntei ao policial o que era aquilo. Gasolina, explicou ele. Ali na Venezuela, o combustível é muito barato, então o pessoal trás de lá para vender do lado de cá.
- Mas isto é legal? Insisti curioso.
- É proibido – diz ele – mas nada fazemos, porque já faz parte da cultura do povo.
- Ah! Entendi – respondi, sem ter entendido nada.
Então, se o combustível na Venezuela é barato, vamos abastecer nossas motos por lá. E tocamos em frente, cruzando a Puente Internacional Simon Bolivar.
A imigração na Venezuela foi muito fácil. Agora só falta fazer a documentação de entrada das motos. Problema. A aduana não trabalha aos domingos. Só amanhã, pela manhã.
E assim estamos agora hospedados em San Antonio, porta de entrada da Venezuela, aguardando a abertura do guichê da aduana para podermos circular livremente por este país.
Às oito em ponto estávamos no prédio da aduana venezuelana para fazermos a documentação de entrada das motos no país. Não havia filas. Tudo parecia perfeito para, em poucos minutos, seguirmos viagem. Ledo engano. Foi-nos apresentada uma extensa lista de exigências, fotocópias disto e daquilo, e um seguro de responsabilidade civil. Não aceitaram o nosso DPVAT e tampouco o nosso seguro total. Estes não têm validade na Venezuela.
E lá fomos nós ao centro da cidade em busca de alguém que fizesse o tal seguro para nós. Depois de muita procura, encontramos um corretor que faz seguros para motos estrangeiras. O Gregório. Rapaz simpático, motociclista praticante, piloto de uma esportiva GSX 1000. Enquanto sua secretária providenciava as apólices, conversamos muito sobre motos, carreteras e atualidades. Em pouco menos de três horas (sim, esse foi o tempo para fazer o seguro) ficamos sabendo algumas coisas sobre este país:
Que desde 2008 não se pode importar veículos. O governo não autoriza.
Que existe câmbio oficial e paralelo (já tivemos isso no Brasil) para o dólar: B. 4,30 e B. 7,50, respectivamente. Por isso, não deveríamos pagar em dólar, e muito menos em cartão de crédito, pois em ambos os casos, seria usado o dólar oficial. Aconselhou-nos a procurar um cambista.
Que o preço da gasolina é simbólico. Que para cruzarmos toda a Venezuela pelo roteiro que apresentamos, em torno de dois mil quilômetros, gastaríamos em torno de dois dólares (no paralelo) em combustível. Confirmamos isso. Um litro de gasolina custa na bomba, BS. 0,07 (sete centavos de Bolívares). Isto significa que, com apenas um dólar, se compra 107 (cento e sete) litros de gasolina.
Bilhetes de seguro e fotocópias nas mãos corremos de volta para a aduana. Documentação conferida e... opps, faltam as estampilhas. Dezessete Bolívares em estampilhas para cada moto, está aqui, cavalheiros, na relação de documentos que lhes entreguei. Oh! Deus, daí-me paciência para prosseguir. Agora falta pouco. Em breve estaremos em nosso país.
Estampilhas providenciadas, documentação conferida, tudo certo para emitir a AUTORIZACION VEHICULAR – permissão para introduzir nossas motos no território venezuelano. Porém, o funcionário (chefe) que assina tal documento saiu, está em horário de almoço. Retornará às treze e trinta.
Isto já é demais. Estão a abusar de nossa paciência. Não se trata assim os fazedores de chuva. Tomamos uma atitude radical: convidamos a funcionária a ir almoçar conosco. E ela aceitou! E assim tivemos a rara oportunidade de conversar e conhecer melhor uma funcionária da aduana venezuelana. Brenda (esse é o nome dela) nos contou de sua carreira, de sua família, de seu trabalho, que no próximo ano visitará o Brasil.
Na hora marcada, nossa permissão foi assinada. Agora podíamos ir, antes porém, passar no Departamento de Trânsito para visar a autorização.
E assim conseguimos passar por aquela que foi, sem dúvida, a mais complicada e demorada das aduanas enfrentadas em nosso roteiro.
Vencido o primeiro obstáculo, vamos para o seguinte: a auto pista que liga San Antonio a San Cristobal estava interditada por conta de um derrumbe. Então todo o fluxo foi desviado para a antiga, sinuosa e mal conservada carretera. Congestionamentos intermináveis causados por desvios, veículos avariados parados na pista, por ônibus que param na pista para subida ou descida de passageiros, ou por motoristas despreocupados, que simplesmente param seu veículo sobre a pista para comprar comida, vendida por ambulantes estrategicamente parados em lombadas.
Os veículos que circulam por aqui, em sua maioria, são automóveis antigos, grandes, beberrões, e mal conservados.
Outro fato curioso que nos chamou atenção foi que muitos postos de combustível estavam fechados. E noutros, grandes filas controladas por militares do Exército. Foi-nos informado que o governo federal restringiu a remessa de combustível ao Estado de Táchira, porque os dirigentes estaduais não estavam alinhados ao poder central. Coisas do socialismo.
Pretendíamos pernoitar em Barinas, mas por conta de tantos imprevistos, conseguimos chegar a Santa Bárbara antes do anoitecer, onde nos “quedamos”.
Dormimos em um simpático hotel à beira da estrada, com espaçosas e confortáveis cabanas – Complejo Turistico Las Palmeiras. Muitas cabanas ainda inacabadas. O proprietário nos informou que parou a obra, porque o governo socialista ameaçou desapropriar a metade. E por muito tempo desabafou, que os empreendedores não dispõem de nenhum incentivo. Citou exemplo dos criadores de gado: que o governo lhes paga em torno de quatro bolívares por quilo, enquanto importa carne do Brasil e Argentina pagando dezesseis bolívares.
A propósito, quando entramos no estado de Portuguesa, uma enorme placa avisava: “Estado Portuguesa, um estado ganadero”. Rodamos dezenas de quilômetros, atravessamos o estado de ponta a ponta, e não vimos uma cabeça de gado sequer. O que vimos, foram várias fazendas abandonadas.
Hoje a maratona de congestionamentos continuou. O trânsito é um verdadeiro caos, mesmo nas chamadas autopistas. Muitas barreiras policiais, ora feitas pelo exército, ora pela guarda nacional, congestionam o trânsito, já que os veículos são obrigados a diminuir a marcha.  Não nos incomodaram. Houve um caso em que pediram para acelerar, para ouvirem o ronco das motos.
E muitas lombadas. Quando a rodovia atravessa pequenos povoados, existem lombadas a cada cem metros. E em cada uma delas, no centro da pista, um vendedor estrategicamente instalado.  De cadeira e guarda sol. Vendendo de tudo. Cafezinho, água, salgadinhos, palomitas (pipoca), chips de plátano, e por aí vai.
Ao final da tarde, chegamos a Caracas. Cidade movimentadíssima, trânsito intenso, mas fácil para motos transitar, já que os veículos deixam o corredor aberto.
A saída de Caracas foi muito tranqüila, isto porque pernoitamos em um hotel estrategicamente situado na saída para o ocidente, conforme o nosso roteiro. Eram sete horas da manhã e o movimento era intenso, mas no sentido arredores-centro, formando extensos congestionamentos. Para nós que saíamos da cidade, pista livre. Beleza.
De Caracas fomos a Barcelona, no Estado de Anzoátegui, margeando o Mar do Caribe (águas de um azul turquesa maravilhoso) e depois tomamos rumo sul até Ciudad Bolivar, no Estado de Bolivar, aonde chegamos depois de cruzar por magnífica ponte – Puente Angostura - sobre o rio Orinoco. Vista de longe, ela aparenta tanta leveza que seria incapaz de suportar o intenso tráfego que por lá transita.
Em todas as rodovias por onde passamos, existem as “casetas de cobro” do pedágio. Mas veículos leves, e motos, estão isentos. Somente os caminhões pagam. Aliás, sobre isto, ontem vimos o Presidente falar na TV. Disse ele que os caminhões devem pagar o pedágio, pois com seu peso destroem as rodovias, e o valor arrecadado, é para a manutenção. Que muitos caminhões insistem em passar sem pagar, mas que ele iria colocar o Exército e a Guarda Nacional para controlar isso. E foi o que vimos hoje. Nas praças de pedágio, muitos militares cuidando para que os caminhões pagassem o pedágio.
Com efeito, as estradas não estão em boas condições. Muito lixo acumulado nas margens, e muitos buracos na pista.
Mas a quantidade de outdoors com propaganda do governo, às margens da rodovia, é grande.
Já próximo a Barcelona, passamos por uma das obras que é a menina dos olhos do País: a refinaria de petróleo “Complejo Petroquimico José Antonio Anzoátegui”.
Temos visto por aqui, muitas escolas. Boas instalações, quadra de esportes, e alunos bem uniformizados.
Porém, tivemos muita dificuldade em conseguir um mapa rodoviário. Não encontramos nenhum ponto de atendimento ao turista.
A auto pista que liga Ciudad Bolivar a Puerto Ordaz é uma das melhores que passamos na Venezuela. Construída às margens do rio Orinoco, corta por uma região de belas paisagens, revelando extensas planícies e muito verde. Sem congestionamentos, sem lombadas, sem buracos.
Em Ciudad Guayana, mais uma surpresa: cidade moderna, largas avenidas, modernos edifícios, Shoping Center, trânsito disciplinado.
Em Guasipati, pequena cidade em nossa rota, duas constatações ao abastecer numa gasolinera:
- Extensas filas de carros nas bombas. Menos numa. Pessoal do exército controlando os abastecimentos. Faço sinal para ir naquela bomba vazia. O militar me responde positivo e me explica: nesta a gasolina é mais cara. Noventa e cinco octanas. Custa nove centavos de Bolívar. Eles preferem a outra, noventa e uma octanas, que é mais barata, custa sete centavos de Bolívar. Incrível! (Só para lembrar, um real é igual a quatro bolívares).
- Durante o abastecimento, converso com o frentista, e pergunto por que o exército está ali, controlando os abastecimentos. Para impedir que os mineiros comprem gasolina nesse preço subsidiado e o contrabandeiem para fora do país. Com efeito, estávamos entrando numa região rica em minerais preciosos, principalmente ouro.
No início da tarde, entrávamos num território conhecido como Gran Sabana. Imenso, de beleza indescritível. Extensas pradarias de verdes campos e capões de mato que lembram a savana africana.
Ao final da tarde, quase chegando em Santa Elena de Guairen, uma placa às margens da rodovia indicava que estávamos a apenas setenta e quatro quilômetros do Brasil. Enquanto fazíamos uma foto para guardar o momento, me veio à lembrança que já estou há cento e trinta e dois dias fora do meu país. Quanto tempo, e parece que foi ontem que saímos por Dionisio Cerqueira em direção ao Alasca. Como passou rápido!
Nosso próximo compromisso era um dos mais esperados: conhecer o famoso Salto Angel, a maior queda d´água livre do mundo.
No aeroporto de Santa Helena do Uairen conseguimos um piloto disposto a nos levar até lá, olhar o salto e voltar. Isso não é normal. O usual é os turistas usarem dois ou três dias para fazer esse passeio. Não dispomos de tanto tempo assim. Temos pressa em voltar para casa, que começa logo ali. Posso até sentir o cheiro do meu Brasil.
José do Nascimento, um simpático venezoelano com quatro anos vividos no Brasil, concordou em nos levar no seu Cessna 182, quatro lugares incluindo o piloto, por oitocentos dólares. Em cinco minutos já estávamos voando.
Como é bela a Gran Sabana vista de cima. Um imenso tapete verde se estendia sob nossos pés, desfilando a duzentos e sessenta quilômetros por hora. Lá embaixo, rios serpenteavam em todas as direções. Nas suas margens, choças habitadas por índios. Aqui e ali, focos de fumaça. José nos explica que os índios, desobedecendo as normas do Parque Canaima, ateiam fogo no campo.
De repente, a imensa planície dá lugar a altas montanhas, separadas por vales profundos. Densas nuvens escondem parte delas. Estamos na torcida para que não atrapalhem nossa visão. Para que não escondam aquela rara beleza que aqui nos trouxe.
Lá está, aponta José. Bem à nossa frente, despencando de quase mil metros de altura, o famoso Salto Angel. Devido a falta de chuvas, o volume de águas é reduzido, mas não tira a beleza nem a imponência do salto.
José fez vários sobrevôos em diversas direções, para que pudéssemos apreciar a beleza do salto de vários ângulos. Fantástico!
Liberados para voltar ao Brasil. A fronteira estava logo ali. A saída de Venezuela foi tranquila. Nada de burocracia. Muito menos na imigração brasileira. Fomos muito bem atendidos pelo Agente de Polícia Federal Miguel. Baiano simpático, de gestos calmos, olhar tranqüilo, nos deu as boas vindas.
E depois de cento e trinta e três dias, novamente pisávamos solo pátrio. Como é bom respirar o teu ar, minha pátria querida. Prá comemorar, um almoço básico, na churrascaria do Negão: espeto corrido!
Ao final da tarde, chegamos a Boa Vista, capital do Estado de Roraima. Cidade moderna, planejada, largas avenidas, gente hospitaleira. E por aqui, reencontrei alguns parentes, o casal Carlos e Eliana, e com eles fomos jantar. Levaram-nos a saborear um delicioso peixe na telha, prato típico da terra. Mas quem alegrou verdadeiramente a nossa noite, foi a pequena Ana Luiza, filha do casal, com sua alegria e simpatia.
Era Sexta-feira, 8 de outubro, e estávamos no 133º dia de viagem.
Recebendo a moto, em Bogotá

Parque Nacional Del Chicamocha (Panacchi), Colombia

Bucaramanga, Colombia

Rodovia na Colombia, entre Bmanga e Cucuta

Parador, em Berlin, Colombia


Rodovia na Venezuela

Venezuela


Chegando a Caracas





Primeiro sinal do Brasil

Início da Gran Sabana

Vamos lá. O Brasil está logo ali!


Em Boa Vista, com a simpática Ana Luiza